Sunday 20 March 2011

Marcello & Karen Blixen



Numa manhã ensolarada de Domingo, de 1994, fui visitar a casa de Karen Blixen em Rungsted, que fica a mais ou menos 30 minutos, de carro, de Copenhagen.
Eu tenho um certo fascínio por ela, desde que assisti ao filme "Out of Africa" com a Meryl Streep encarnando a Baronesa. Interessante que o meu fascínio por ela tenha se dado primeiro por sua personalidade, a sua história de vida, e isso tenha me levado a conhecer os seus livros. Geralmente esta ordem se inverte: Voce lê algo, se identifica, e então fica curioso sobre o autor da obra.
Entre os meus favoritos de Isak Dinesen (nome masculino com o qual ela assinava seus livros no início de sua carreira como escritora) está "A festa de Babete". Não apenas pelo valor literário em si, mas pela linda analogia sobre as opções que fazemos na vida, o prazer que extraímos, ou não, dela, o papel da culpa religiosa (nesse caso Protestante) na infelicidade humana e também a beleza de exercemos a nossa profissão/Dom pelo simples deleite de podermos oferecer o nosso melhor para o mundo à nossa volta, como um presente!

Não dei sorte. O Horário de visitação havia se encerrado. Como eu não queria perder a viagem fiquei ali, pelo jardim que era lindo. Não tinha ninguém em volta, a casa grande, bem cuidada, estilo tradicional Dinamarquês, uma casa de Fazenda à beira Mar... me arrisquei, chegando bem perto da casa. Olhei através de uma janela, a luz era difusa mas pude ver alguns móveis, poltronas e vendo assim, do lado de fora, como eu não via os avisos de "por favor não tocar", tudo parecia vivo e não um display de um museu. Até mesmo um arranjo de flores frescas se encontrava no meio da mesa de Jantar. Retratos, máscaras Africanas e ela, ali, dando os últimos toques no arranjo de hortênsias colhidas de seu jardim. Ela me viu e sorriu. Me convidou para entrar e tomar um chá. O dia estava tão lindo que propus outra coisa: Karen, vamos dar uma caminhada pela praia. Eu sabia que ela adorava estas caminhadas. Ela veio, envolta em uma linda e colorida manta de algodão indiano.
Nós caminhamos por um momento, ela já estava muito debilitada, nos sentamos na areia olhando para o mar... assim seria a nossa relação... não precisaríamos falar muito.

De qualquer forma a Rua estava repleta de carros estacionados à frente de sua casa, a praia muito cheia de gente e bundas Dinamarquesas, fluorescentes de tão brancas, e até mesmo latas de cerveja e refrigerante espalhadas em volta de uma lixeira já bastante cheia. Vivemos num mundo de tanto conforto, tanto avanço tecnológico e tanto isso e tanto e tanto e tanto e só não sabemos de uma coisa: Quão deliciosa deveria ter sido a vida sem isso e sem aquilo e sem aquilo outro também!

Fui para os fundos de sua casa, existe um lago lindo e, na beira do lago, um banquinho de madeira, quase escondido por entre arbustos e árvores. Me sentei ali, longe do barulho que vinha da praia, olhei para o céu azul Copenhagen, olhei para as plantas à minha volta (muitas delas exóticas) e me perguntei se ela mesma havia plantado as flores de seu jardim.
Fui sentindo uma paz gostosa... fiquei ali em silêncio e o silêncio foi entrando em mim, fazendo aquela paz gostosa que eu estava sentindo se expandir e se fundir com o silêncio, criando um daqueles mágicos momentos onde nos sentimos um com a brisa, o cheiro das plantas, a luz do Sol... o tempo foi passando suavemente, em silêncio... o Sol já até mesmo havia se afastado quando uma suave mão, branca e magra, pousou em meu ombro... Confesso que me assustei um pouco visto que acredito em vida depois da morte. Me virei abruptamente e vi uma mulher de cabelos grisalhos com um sorriso discreto de reconhecimento em seus lábios.
Ela era magra e não muito alta. Era Clara Selborn. Ela havia sido a secretária Pessoal de Karen por muitos e muitos anos e agora gerenciava tudo o que envolvia o nome Karen Blixen. Isso tudo eu vim a saber após nosso "encontro". Ela foi muito gentil e me falou sobre os horários de visitação da casa. Eu agredeci, me levantei e fui andando, ela veio junto a mim e disse num tom saudoso: "Sabe, voce estava sentado exatamente no lugar favorito da Baronesa. Ela vinha para cá, todas as tardes, nesta mesma hora, e ficava contemplando o jardim, em silêncio"...

E assim foi... minha tarde em silêncio, em companhia de Karen Blixen.

No comments: