Thursday 10 March 2011

Marcello e o perfume de TUTANCÂMON


Cheiros... Não existe nenhuma novidade no fato de que cheiros tem o poder de liberar memórias, trazer à tona as emoções exatas que sentimos num determinado momento onde determinada fragrância se fazia presente. Não só uma emoção específica, mas muitas vezes também a impressão, as cores, sons e sensações de uma época. Isto para não falar de pessoas... cheiros que serão para sempre associados a indivíduos e o que sentíamos por estes indivíduos: M. só usava Kouros, A. teve a fase de Jazz do Saint Laurent, L. poderia até mesmo trocar o seu nome para Armani, minha avó Dior, minha mãe Caron, meu pai English lavanda Aktinsons, um tio Pinho silvestre, uma tia Giorgio de Beverly Hills, a casa do Rio flores secas no saguão e maresia, a casa de Olinda cera de chão e verde do jardim, e assim sigo a vida não conseguindo ignorar o cheiro do mundo à minha volta. Este fascínio se desenvolveu numa busca por essências especiais, óleos aromatizados, perfumes históricos e, mais importante, o poder que cada uma dessas essências tem em me fazer sentir assim ou assado! Tenho o perfume que era o favorito de Maria Callas, e quando o uso (só em ocasiões muito especiais) invoco o poder da musa máxima, do talento sem concessões. Tenho também o favorito do Winston Churchill, e quando o uso é impossível não sentir a elegância de uma época de cavalheirismos onde decisões que mudariam o mundo eram tomadas em salas com sofás de couro e bibliotecas bem cuidadas. Fico imaginando que era esse o cheiro que ficava no ar quando Churchill entrava no recinto (provavelmente misturado a um insuportável cheiro de charuto) ou era o rastro que La Callas deixava ao sair do palco sendo ovacionada após mais uma impecável ária.

Tendo dito isto, voce pode imaginar como fiquei excitado ao saber que na Harrods em Londres existia uma sessão de "Alta-perfumaria". Hmmm, pensei, da próxima vez que estiver lá...
E assim foi: quando fui a Londres no Natal passado, fui correndo à Harrods para visitar tal templo. Só que eu não consegui achar. Fui na parte dos perfumes, Calvin Klein, Dior, Prada, tudo estava em promoção, parecia carnaval em Olinda, pessoas andando levadas por blocos de outras pessoas que agarravam as caixas de perfume com 50% de desconto... de alguma forma isso não parecia ser o lugar citado pela reportagem que li. Perguntei a um funcionário da loja: Dá licença, existe uma sessão de "Alta-perfumaria" aqui? O funcionário olhou para mim como se de repente eu houvesse dito um código secreto, algo tão misterioso quanto o código Da Vince. E ele não respondeu imediatamente, foi como se estivesse me estudando, querendo chegar a conclusão se me seria permitida a entrada no compartimento secreto. Baixinho, depois de alguns segundos, ele disse: Escada rolante, quinto andar, passa isso, passa aquilo, vira a esquerda, a direita, entra na cafeteria, tem uma porta que dá para os fundos, entra, vai em frente e voce chega lá! Eu sou meio desorientado e tive certeza de que nunca a encontraria, mas fui indo... e cheguei... em frente a uma porta que parecia mesmo dar nos fundos da loja, saída de lixo... não pode ser... mas não havia outra opção, eu estava completamente desapontado, esperava uma coisa assim... meio sei lá o que... mas empurrei a porta de borracha, daquelas duplas onde carrinhos carregando dejetos passam... e aí sim, percebi que era lá... o tal templo olfativo... não havia dúvidas, era lá! Tudo era cristal e espelhos, tantos potes e frascos, cada qual mais impressionante que o outro, tudo se confundia no próprio reflexo de outros frascos de cristais e mais espelhos que fiquei atordoado, era difícil encontrar o caminho por entre os reflexos e mais cristais, enquanto toda a loja explodia de gente tentando comprar os últimos presentes de Natal, em liquidação, eu era o único cliente nesse espaço silencioso e sagrado: De cima à baixo, essências em potes de ouro, cristais e alguns até mesmo decorados com pedras preciosas. Nessa hora ou voce sai correndo antes que alguém venha perguntar se voce está procurando por alguma coisa específica ou respira fundo e faz de conta que alí mesmo, dentro da sua carteira, existe um cartão de crédito capaz de pagar por qualquer um daqueles objetos do desejo... e claro, foi isso que fiz quando um atendente de sutil e discreta elegância se aproximou perguntando se eu estava em busca de algo específico. Na verdade, disse eu, estou a procura de uma essência que seja bem próxima de mim. Apesar da minha resposta um tanto vaga, ele aquiesceu e me pediu para segui-lo. Ele então trouxe algumas amostras, elas representavam diferentes famílias olfativas: umas eram mais doces, outras cítricas, outras repletas de especiarias e assim por diante. Eu descartava algumas e entre as que ficavam, ele trazia sub-divisões que seguiam a direção de meus sentidos. Fui apresentado a fragrâncias que nunca havia sequer sonhado, mas não, nada ainda havia me "atingido" como eu esperava. Confiando na minha sensibilidade olfativa eu esperava que em determinado momento eu fosse atingido por um raio que dissesse: Achei, é isso: esse cheiro traduz a minha essência. Na verdade eu estava até mesmo um pouco desapontado: se não encontrasse alí o que buscava, onde mais? E fui sincero com o atendente (na verdade, confesso que até com um certo alívio pois vai que eu encontrasse o que buscava, e aí? E se fosse algo dentro de um tesouro encrustrado de diamantes?), já estava quase indo embora quando ele disse: existe um que eu ainda não mostrei... ele me levou para um cantinho da loja, abriu uma gaveta, tirou um pequeno frasco sem nenhum rótulo e espreeou à minha volta. O tempo parou! E não estou exagerando... eu fui envolto numa suave núvem de um cheiro que eu nunca havia sentido antes. Ele possuía um frescor, uma riqueza de notas que eu não conseguia identificar mas que fizeram meus sentidos responder imediatamente, como se eu houvesse sido elevado para uma outra dimensão. É isso! Falei, é esse, achei... o que é isso???
Ele deu um sorrizinho de reconhecimento, como se não esperasse uma reação diferente da que tive: É o perfume de TUTANCÂMON! Com o perdão da expressão, tudo o que eu queria ter dito foi: CUMA??? Mas como isso não teria nenhum sentido em Inglês, eu simplesmente perguntei: como assim? E ele esclareceu: dentre os tesouros encontrados na Tumba de Tutancâmon, próximo ao seu corpo, foi encontrada a receita de um perfume. Provavelmente a mais antiga receita encontrada de um perfume. A receita foi comprada por um valor não revelado, por uma famosa casa de perfumes e patenteada, ninguém mais no mundo tem o direito de comercializar essa fragrância e blablabla... eu não estava muito presente durante essas explicações, o cheiro que emanava de mim, me embriagava e imaginei o Faraó, representação Divina na Terra, andando por corredores arejados, passando por varandas com vista para o Nilo e seus hipopótamos, tamareiras e barcos de pesca, adorando o Deus Sol...
Sim, ele na verdade vinha num frasco criado pela casa Bacarat com ouro e pedras preciosas... ao ver a minha cara de decepção ao ouvir o preço, ele deu mais umas 3 espreiadas no meu pescoço antes de eu dizer adeus, pensando em quantos anos eu teria que juntar dinheiro para poder ter aquela essência divina... entendi o que viciado em Crack não é capaz de fazer por mais uma pedra... levitei por todo o percurso de volta para casa onde minha mãe e irmã riram de minha ingenuidade em acreditar que aquilo era mesmo o que o vendedor dizia ser... elas não entendem, pensei... elas sentiram o perfume e o sorrizinho cínico logo desapareceu de seus lábios... sim, era algo especial... mas TUTANCÂMON?
Eu não tinha dúvidas, o cheiro em si me fazia sentir imortal, como se tudo fosse possível e o mundo brilhasse como uma jóia rara preciosa.
Não comprei o tal... mas dedicado e determinado que sou, pesquisando as notas do Perfume, blogs de especialistas e comentários de apaixonados por perfumes, encontrei um outro que chegava perto... era o que diziam, só era difícil de achar, me garantiram. Entrei na primeira loja de perfumes que vi, perguntei pelo nome, eles tinham. Comprei. Não é a mesma coisa, mas me lembra bastante a experiência que tive. Todo o dia o uso, pessoas comentam: o que é isso? E eu digo, é um genérico do TUTANCÂMON! E como dizia o Pirandello: Assim é, se lhe parece!

3 comments:

Anonymous said...

Que ótimo esse post Mars! Que saudades me deu de você, pessoa chique! Genérico do TUTANCÂMON é demais! Fiquei morrendo de vontade de sentir isso também.
Muitos beijos!
Dani Cavallon

Unknown said...

Oi Gô, que saudade !
tão magico, é inacreditável como você consegue ...
te amo muito!
sua Gô

arosaquefala said...

Mars, eu só poderia esperar que o seu perfume fosse mesmo o de um deus. Mesmo que genérico!!!
beijos da sua amiga lavanda da l'Occitane.